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É possível ter uma dieta saudável com alimentos ultraprocessados?

Lanche feito com pão não integral e embutidos, acompanhado de batata que veio pronta para fritar, é saudável? - iStock
Lanche feito com pão não integral e embutidos, acompanhado de batata que veio pronta para fritar, é saudável? - iStock

Pesquisadores do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) envolvidos em estudos nutricionais estavam curiosos para saber se uma pessoa poderia atender a todas as Diretrizes Dietéticas para Americanos consumindo alimentos ultraprocessados. Realizaram a pesquisa e divulgaram o resultado, publicado na Science Direct. O estudo envolveu um menu de sete dias de prova de conceito (modelo prático que tenta provar o conceito teórico estabelecido por uma pesquisa ).

O USDA elaborou esse menu de sete dias experimental e nutricionalmente completo, consistindo quase que apenas de alimentos ultraprocessados. No entanto, uma variedade desses itens tem sido amplamente associada a problemas crônicos de saúde. Nos últimos 20 anos, os americanos consumiram continuamente mais alimentos industrializados, aumentando de 53,5% de suas calorias diárias em 2001 e 2002 para 57% em 2017 a 2018. Eles são frequentemente chamados de “alimentos ultraprocessados” ou “UPF”.

Há evidências de que esses alimentos estão ligados a doenças crônicas e - sendo formulados para manter sabor, custo e vida útil prolongada - podem não fornecer nutrição adequada. O cardápio criado obteve 86 de 100 pontos no Índice de Alimentação Saudável (IAS) com 91% das calorias da dieta obtidas de UPF. Ele perdeu apenas em dois alvos nutricionais: era rico em sódio e pobre em grãos integrais. Em comparação, a dieta americana média pontua apenas 59 no IAS.

O menu não é um plano de refeições recomendado, mas, sim, uma experiência e uma demonstração da flexibilidade das recomendações das Diretrizes Dietéticas para Americanos. Para construir o programa de forma alinhada com as recomendações nutricionais atuais, os pesquisadores adaptaram o menu MyPyramid - sistema baseado nas Diretrizes e nas Ingestões Dietéticas de Referência da Academia Nacional de Ciências dos EUA -, levando em consideração os padrões de consumo atuais dos americanos. O comunicado de imprensa anunciando o estudo destaca que as recomendações dietéticas atuais são mais focadas no conteúdo nutricional do que no grau ou tipo de processamento envolvido, e que mais pesquisas são necessárias.

O que são alimentos “ultraprocessados”?

Um dos problemas com a avaliação de UPF, disse a principal autora do estudo, Julie Hess, que trabalha como pesquisadora do Centro de Pesquisa de Nutrição Humana Grand Forks do USDA, é definir o que eles são. Ela explicou que o estudo descobriu que vários alimentos ricos em nutrientes, como pão integral, leite desnatado, frutas enlatadas, tofu, suco de frutas e peixes enlatados, podem ser considerados ultraprocessados.

Os pesquisadores colaboraram com “avaliadores” externos que classificaram os alimentos  com base no nível de processamento. Julie falou ao site Medical News Today que alguns dos alimentos que os avaliadores consideraram ‘ultraprocessados’ e que não acabaram no cardápio foram: manteiga de amêndoa, lombo de porco, ostras defumadas, leite de soja, queijo cottage, iogurte grego desnatado, leite sem lactose e suco de maçã.

Alguns dos alimentos incluídos no cardápio incluíam sopa de feijão preto, aveia, batata assada com pimenta, tofu salteado e bife. “Alguns alimentos que nossos avaliadores consideraram menos processados e que não incluímos em nosso cardápio foram: purê de maçã, ervilhas e cogumelos enlatados”, acrescentou ela. Também foram excluídos da consideração alguns alimentos que os pesquisadores sentiram que não se encaixavam em uma categoria, como batatas fritas, picles, chips de banana, palitos de gergelim e um hambúrguer de “carne” à base de plantas.

Alimentos inesperados

Michelle Routhenstein, nutricionista cardiológica do EntirelyNourished.com (entidade voltada à saúde do coração) e que não participou do estudo, disse ao MNT que também é importante observar que alimentos ricos em nutrientes, como feijão e leguminosas, por exemplo, podem ser considerados ultraprocessados devido ao ácido cítrico ou aditivos adicionados para preservá-los. E embora isso seja considerado ultraprocessado, eles ainda conferem benefícios à saúde que também precisamos avaliar como um todo.

Por que criar um plano alimentar de ultraprocessados

Sabendo que o comitê científico da Diretrizes Dietéticas para Americanos de 2025 vai discutir sobre os alimentos ultraprocessados, a equipe da doutora Julie Hess construiu o cardápio experimental de acordo com o sistema mais utilizado para identificar alimentos ultraprocessados, o sistema NOVA. “Minha pesquisa está centrada na identificação e avaliação de estratégias para ajudar os americanos a atender às recomendações das Diretrizes Dietéticas para Americanos, o que significa que acompanho de perto as atividades e conversas relacionadas ao desenvolvimento de orientações dietéticas nos EUA”, lembrou.

Já Michelle expressou preocupação com o fato de que a criação do cardápio exigia conhecimento nutricional que a maioria das pessoas envolvidas não possuía. Ela também questionou o quão realistas são alguns itens do menu. Por exemplo, o kefir de morango pode ter goma xantana, que hoje é considerada ultraprocessada. O grão-de-bico torrado com mel contém um aditivo que agora é considerado ultraprocessado.

“É importante conhecermos as pessoas onde elas estão e, dependendo do que estiver acessível, isso pode ser uma ferramenta valiosa para aprender. No entanto, esta não é uma representação do que realmente está disponível para uma pessoa que depende de alimentos ultraprocessados, que não estaria disponível em um bairro de baixa renda”, afirmou a nutricionista.

Perigos dos alimentos ultraprocessados

Por mais vagamente definidos que os UPFs possam ser, há amplas preocupações em relação aos efeitos na saúde de alimentos amplamente considerados ultraprocessados. Marialaura Bonaccio, do IRCCS Istituto Neurologico Mediterraneo Neuromed na Itália, que também não participou do estudo, disse ao MNT: “Os bem documentados efeitos adversos à saúde dos UPFs não estão exclusivamente relacionados ao baixo teor nutricional desses alimentos, mas provavelmente são desencadeados por fatores não nutricionais, como aditivos alimentares, contaminantes de plásticos, alteração na matriz alimentar etc.”

Marialaura citou a própria pesquisa, na qual essas preocupações são discutidas: “Existem estudos descobrindo que alimentos ultraprocessados estão independentemente associados à, por exemplo, mortalidade, doença cardiovascular e certos tipos de câncer”.

A consideração de tais efeitos na saúde estava além do escopo deste estudo. No entanto, Michelle alertou: “alimentos ultraprocessados, independentemente de seguirem uma dieta vegana, vegetariana etc., causam um aumento na cistatina c, um biomarcador inflamatório que aumenta o risco de doenças cardíacas, renais e derrames”. Diante disso, Marialaura declarou que um trabalho focado exclusivamente na qualidade nutricional dos UPFs, que obviamente também poderia ser adequado em alguns casos, em sua opinião, é completamente equivocado.

“Não será possível determinar se os alimentos ultraprocessados são saudáveis ou não até que a comunidade científica identifique com mais clareza o que significa o termo ‘ultraprocessados”, afirmou Julie Hess, a autora principal do estudo.

Mesmo com esta afirmação de que não existe uma definição consistente ou fácil de aplicar do que é um alimento 'ultraprocessado', tanto Marialaura quanto Michelle recomendaram que as pessoas consumam menos alimentos ultraprocessados, a menos e até que pesquisas posteriores possam sugerir o contrário.

Fonte: Medical News Today

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Cármen Guaresemin

Cármen Guaresemin

Filha da PUC de SP. Há anos faz matérias sobre saúde, beleza, bem-estar e alimentação. Adora música, cinema e a natureza. Tem o blog Se Meu Pet Falasse, no qual escreve sobre animais, outra grande paixão.  @Carmen_Gua