Em entrevista, especialista em sono explica por que dormir mal exige tratamento comprovado
Tatiana Pronin Publicado em 18/03/2022, às 10h00
Neste Dia Mundial do Sono, é impossível não lembrar que dormir mal é uma realidade para cerca de um terço da população, e o problema foi agravado para muita gente durante e após a pandemia, como afirma o médico e pesquisador Luciano Drager, presidente da Associação Brasileira do Sono que já publicou diversos estudos sobre o tema e possui pós-doutorado pela Johns Hopkins University, nos EUA.
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Parte da culpa da privação crônica de sono atual pode ser atribuída ao uso intensificado de aparelhos eletrônicos à noite. Eles emitem um tipo de luz que prejudica a arquitetura do sono, além de trazer conteúdos que excitam a mente. Mas também existem transtornos mentais que podem interferir qualidade do descanso de diversas formas, como ansiedade, depressão e bruxismo. Esses males têm afetado mais gente nos últimos tempos, e precisam ser tratados adequadamente.
“Vários pacientes fazem uso de substâncias ou medicamentos não aprovados ou que não mostraram eficácia para a insônia e, com isso, existe um atraso na busca de tratamentos eficazes”, conta Drager, nesta entrevista ao site Doutor Jairo. Essa mania de automedicação deve aumentar com a aprovação recente, no Brasil, de doses baixas de melatonina em produtos de venda livre. Esse hormônio tem sido indicado por médicos para quem trabalha em turnos noturnos ou se submete a mudanças de fuso horário.
Nos EUA, a população se automedica indicriminadamente com melatonina há muitos anos, e um estudo recente mostrou que as doses usadas vêm aumentando. Apesar disso, não há evidências de que os norte-americanos estejam dormindo melhor que a gente, além dos possíveis efeitos colaterais. Medicamentos prescritos por médicos podem ser usados em situações específicas, mas o ideal, mesmo, é que as pessoas invistam em medidas comportamentais, antes de tudo.
A terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCC-i) é considerada, hoje, o “padrão ouro” para quem tem dificuldade em pegar no sono ou continuar dormindo durante a madrugada. A boa notícia é que há versões digitais no mercado, capazes de ajudar quem não tem condições de pagar um terapeuta. Mas, muitas vezes, é preciso uma abordagem mais individualizada, e por um profissional competente. A seguir, veja algumas dicas do médico para quem quer dormir melhor, além de outros dados importantes sobre o tema.
Estamos mesmo vivendo uma epidemia de privação de sono? Existem dados que confirmam isso?
Dr. Luciano Drager - Sim. Dados realizados antes da pandemia já mostravam um cenário preocupante: nos EUA, estimava-se que 1 em cada 3 adultos relatava dormirem menos do que 6 horas por noite. Realizamos um estudo em São Paulo com mais de 2.000 pessoas, no qual monitorizamos de forma objetiva a duração do sono (estudo ELSA-Brasil) e encontramos dados semelhantes: aproximadamente 27% estava tendo um sono com menos de 6 horas. A pandemia piorou a qualidade do sono de uma maneira geral e isto inclui, obviamente, a privação do sono, além de outros importantes distúrbios: insônia, bruxismo, pesadelos, etc.
Mas é importante destacar que esta piora não foi verificada para todos: pessoas que tinham privação do sono antes da pandemia, isto é, dormiam menos do que a necessidade para ter um sono reparador, tiveram oportunidade de adequar a quantidade e horário de sono com o trabalho remoto. Essa situação também foi observada nos adolescentes que tiveram a oportunidade de dormir um pouco mais pela manhã e driblar a situação fisiológica da idade, que é a tendência de atrasar o horário de sono com dificuldade para despertar pela manhã.
Quais são as principais causas dessa falta de sono suficiente ou de boa qualidade?
Maus hábitos de sono, presenças de algumas doenças crônicas, como ansiedade e depressão, problemas familiares/financeiros, uso de álcool, uso excessivo de estímulos visuais e conectividade.
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É verdade que o Brasil é um dos países com maior número de usuários de medicamentos para dormir?
O Brasil certamente ocupa uma posição de destaque no uso de medicamentos com o intuito de melhorar o sono. Dois aspectos, aqui, precisam ser destacados:
1) vários pacientes fazem uso de substâncias ou medicamentos não aprovados ou que não mostraram eficácia para a insônia e, com isso, existe um atraso na busca de tratamentos eficazes;
2) ainda existe um uso excessivo de medicações que induzem uma dependência importante, além de não serem indicados para a maioria dos casos de insônia. Efeitos colaterais importantes também são uma preocupação. Estas medicações, chamadas de benzodiazepínicos, acabam sendo prescritas por anos aos pacientes sem uma avaliação adequada.
Muita gente se animou com a recente aprovação da melatonina pela Anvisa. Nos EUA, esse uso existe há muito tempo, e em grandes quantidades. A substância realmente é útil para melhorar o sono das pessoas?
A melatonina é um hormônio produzido naturalmente pelo corpo humano. Ela está relacionada com a regulação do metabolismo ao longo do dia, o que inclui os períodos em que a pessoa está dormindo ou acordada. A indústria já sintetiza esse hormônio há muitos anos e, nos EUA, ela é encontrada de fato à disposição para compras sem receita. No Brasil, a melatonina foi liberada pela Anvisa no ano passado para ser vendida em farmácias, sem a necessidade do uso de prescrição médica, em doses de 0,21 mg.
Não há evidência de que a melatonina seja indicada formalmente para a insônia, ainda mais em uma dosagem muito baixa. Habitualmente, ela pode ser prescrita para alguns distúrbios de sono, como o distúrbio comportamental do sono REM (situação onde existe a verbalização e movimentos agressivos durante pesadelos), em casos de "jet lag" (alteração no sono após viagem, em que há mudança de fuso horário) e distúrbio de ritmo circadiano em pessoas cegas (para ajudar na sincronização das fases de sono e vigília). Idealmente, a orientação correta pelo uso da melatonina dever feita pelo médico(a), mesmo que hoje existam estas opções sem necessidade de prescrição. O uso sem orientação pode trazer efeitos colaterais ou falta clara de eficácia, postergando uma abordagem correta da insônia.
Hoje tem se falado mais sobre a importância da terapia cognitivo-comportamental para tratar a insônia, porém ainda é difícil ter acesso a ela. Muitas empresas têm investido em versões digitais. Acha que essas tecnologias são úteis?
A terapia cognitivo-comportamental para a insônia é um dos tratamentos mais recomendados. Ela baseia-se em uma abordagem psicoterapêutica específica e focada nas causas e sintomas da insônia, sendo realizada por uma série de visitas a um psicólogo especializado nesse tipo de tratamento. Além de melhorar a higiene do sono, esse profissional será capaz de desfazer conceitos errados sobre o sono, com a adoção de atitudes mais positivas, além de orientar técnicas de relaxamento e controle dos estímulos externos.
As versões digitais têm crescido em todo o mundo, aumentando a flexibilidade para o acesso a esse tipo de tratamento. Existem estudos que respaldam essa modalidade; o mais importante é termos profissionais qualificados que possam atender às demandas especificas de cada paciente e propor visitas presenciais em casos de necessidade.
Quais são as principais medidas que as pessoas devem tomar para dormir melhor e por quê?
- Manter um horário regular para dormir e acordar, independentemente da quantidade de sono obtida. Este respeito ao seu padrão de dormir é importante para a regulação das funções do seu corpo e podem trazer benefícios para a sua saúde.
- Ir para a cama apenas quando estiver com sono. Isto é importante para o seu cérebro criar a ligação da cama com prazer e não sofrimento.
- Evitar cochilar ou deitar durante o dia. Isso pode atrapalhar os estímulos que induzem o sono à noite.
- Evitar eletrônicos 1 hora antes de deitar (smartphone, tablets ou computador), pois favorecem a insônia e podem comprometer a qualidade do sono.
- Não consumir bebidas alcoólicas ou bebidas com cafeína próximo à hora de dormir.
- A última refeição do dia (jantar) deve ser leve e até 2 horas antes de se deitar. Alimentos de maior dificuldade de digestão podem interferir na qualidade do seu sono.
- Praticar atividade física regularmente (preferencialmente pela manhã, para não estimular o cérebro ou gerar desconforto muscular se for feito próximo ao horário de dormir).
- Evitar discutir assuntos potencialmente estressantes (problemas familiares, econômicos, etc) no período próximo ao horário do sono.
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