Redação Publicado em 20/10/2021, às 13h00
Um novo estudo, que será publicado no próximo mês no periódico Brain, Behavior, and Immunity, aponta que apenas quatro semanas consumindo uma dieta de alimentos altamente processados pode levar a uma forte resposta inflamatória no cérebro. A pesquisa foi realizada por uma equipe de cientistas da Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, com ratos idosos que demonstraram sinais comportamentais de perda de memória. Ainda será necessário um estudo com humanos, porém, outras pesquisas já demonstraram que uma alimentação saudável deve ser prioritária, especialmente quando começamos a envelhecer.
Neuroinflamação e problemas cognitivos não foram detectados em ratos adultos jovens que ingeriram os itens processados durante o estudo. A dieta utilizada na pesquisa imitou alimentos humanos prontos para consumo, aqueles que muitas vezes são embalados para longa vida útil, como batatas fritas e outros lanches, pratos congelados, como massa, pizzas e frios contendo conservantes.
Segundo a médica nutróloga Marcella Garcez, alimentos ultraprocessados são formulações industriais fabricadas a partir de substâncias extraídas ou derivadas de outros alimentos (sal, açúcar, óleos, proteínas e gorduras) e sintetizadas em laboratório (corantes, aromatizantes, conservantes e aditivos).
“No geral, os alimentos ultraprocessados possuem sabor mais agradável e um grande prazo de validade, mas são pobres nutrologicamente e ricos em calorias, gorduras e aditivos químicos, favorecendo então a ocorrência de deficiências nutricionais, doenças do coração, diabetes, colesterol e obesidade. São exemplos as bolachas, guloseimas, sorvetes, bolos, carnes, como salsichas e produtos congelados e prontos para o consumo”, explica Marcella, que é diretora e professora da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia).
Durante o estudo, também foi descoberto que a suplementação da dieta processada com ácido graxo ômega-3 DHA evitou problemas de memória e reduziu os efeitos inflamatórios quase inteiramente em ratos mais velhos.
Já o geriatra e nutrólogo Juliano Burckhardt, membro do Corpo Clínico do Hospital Sírio-Libanês, da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) afirma que existem nutrientes que contam com propriedades benéficas para a memória: “O ômega-3, presente em peixes como salmão e atum, além das nozes, auxilia na comunicação entre os neurotransmissores, fazendo com que a memória e a concentração sejam fortalecidas. Para estudar, por exemplo, sua ingestão é recomendada, pois facilita bastante no processo de aprendizado”, diz.
Para Gabriel Novaes de Rezende Batistella, médico neurologista e neuro-oncologista, membro da Society for Neuro-Oncology Latin America (Snola), a alimentação está muito relacionada ao envelhecimento saudável e à prevenção da doença de Alzheimer: “Alguns dados científicos já são muito robustos quanto à redução de risco da doença, como retirada de refrigerantes, por exemplo. Prefira proteínas magras, reduza o consumo de alimentos gordurosos e ricos em colesterol, remova completamente o açúcar refinado e alimentos processados e opte por alimentos sem sódio ou com alta restrição de sódio na sua composição”, aconselha.
A médica nutróloga enfatiza que é um grande sinal de alerta o fato de a pesquisa ter demonstrado que esses efeitos foram sentidos tão rapidamente. Ou seja, essas descobertas indicam que o consumo de uma dieta processada pode produzir déficits de memória abruptos e significativos – e, na população em envelhecimento, o declínio rápido da memória tem uma maior probabilidade de progredir para doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer. “Por estarmos cientes disso, talvez possamos limitar os alimentos processados em nossas dietas e aumentar o consumo de alimentos ricos em ômega-3 (DHA) para prevenir ou retardar essa progressão”, afirma Marcella.
Ela explica que o DHA, ou ácido docosahexaenoico, é um ácido graxo ômega-3 que está presente junto com o ácido eicosapentaenoico (EPA), outro ômega-3, em peixes e outros frutos do mar. Marcela lembra que entre as múltiplas funções do DHA no cérebro está o papel de inibir uma resposta inflamatória: “Este é o primeiro estudo a demonstrar a capacidade de ele agir contra a inflamação cerebral provocada por uma dieta rica em alimentos processados e ultraprocessados”.
A equipe de pesquisa designou aleatoriamente, a ratos machos de 3 e 24 meses de idade, a ração normal (32% de calorias de proteínas, 54% de carboidratos complexos à base de trigo e 14% de gordura), uma dieta altamente processada (19,6 % de calorias de proteínas, 63,3% de carboidratos refinados – amido de milho, maltodextrina e sacarose – e 17,1% de gordura), ou a mesma dieta processada suplementada com DHA.
A ativação de genes ligados a uma proteína pró-inflamatória poderosa e outros marcadores de inflamação foi significativamente elevada no hipocampo e amígdala dos ratos mais velhos que comeram a dieta processada sozinha em comparação com os jovens em qualquer dieta e ratos idosos que comeram o suplemento de DHA e comida processada.
Segundo o estudo, os ratos mais velhos que consumiram a dieta processada também mostraram sinais de perda de memória em experimentos comportamentais que não eram evidentes nos ratos jovens. Os resultados também mostraram que a suplementação de DHA nas dietas de alimentos processados consumidos pelos ratos mais velhos preveniu efetivamente a elevada resposta inflamatória no cérebro, bem como os sinais comportamentais de perda de memória.
Apesar de proteger o cérebro, a suplementação de DHA não teve efeito preventivo sobre o ganho de peso associado à ingestão de alimentos altamente processados. “Por esse motivo, quando falamos em pacientes, precisamos ter em mente que é necessário que haja uma diminuição expressiva do consumo de alimentos ultraprocessados, e não só a adição de uma suplementação de ômega-3. Nesse sentido, a orientação do médico nutrólogo é fundamental”, diz Marcella.
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