Comfort food significa “comida confortável” em tradução livre e é exatamente esta a proposta
Cármen Guaresemin Publicado em 01/04/2022, às 12h00
Comfort food (referida no Brasil como "comida de conforto" ou "comida afetiva") é aquela que desperta sensações de bem-estar por nos fazer lembrar de momentos especiais, seja um almoço em família ou um jantar com seu amor. Pode ser a comida da mãe, da avó, da tia, ou de alguém que é especial para você.
“O ato de comer, prática que parece ser tão trivial para alguns, transcende o processo meramente fisiológico e inerente à sobrevivência, tendo em vista que carrega consigo um valor afetivo e de lembranças pessoais únicas ao comensal”, afirma Jousianny Patrício de Andrade, professora do curso de nutrição do Centro Universitário do João Pessoa (Unipê).
Daniela Cotrim, professora e coordenadora do curso de nutrição do Centro Universitário Braz Cubas, afirma que a essência do comfort food está na simplicidade dos pratos, como o tradicional arroz e feijão, uma macarronada, uma torta ou um bolo. “A combinação dos alimentos e ingredientes, e o modo como foram preparados influenciam no sabor do prato e, consequentemente, na experiência de cada pessoa. Quanto mais semelhante for o sabor do prato servido com o que foi preparado há muito tempo, melhor será a experiência da degustação para a pessoa”.
Segundo pesquisadores da área, realizar uma refeição constitui uma construção social, que envolve sociabilidade e o compartilhamento de emoções. Isso não se restringe apenas aos alimentos, mas também aos laços afetivos ao redor da mesa, que servem como filtro para as memórias de longo prazo e trazem valores inestimáveis à comida.
“Certamente você, em algum momento, já desejou consumir aquele alimento que faz recordar algo marcante de sua vida, ou alguma preparação culinária feita por alguém que você tem/tinha muito carinho e que, sempre ao consumi-lo, esse alimento, de forma conotativa, ‘te abraça confortavelmente’ e te transporta àquele momento do passado. Esse é o conceito do comfort food, pois remete ao lado afetivo que tal alimento pode transmitir”, explica Jousianny.
Apesar de as pessoas utilizarem a comida como forma de obter conforto há muito tempo, o termo só foi criado por volta da década de 1990 e, desde então, passou a aparecer de forma consistente na literatura e publicidade. Esse termo “comida de conforto” atribui à alimentação um papel que sobressai aos valores nutricionais, alcançando memória afetiva simbólica, que provoca conforto emocional.
O termo ganhou ainda mais relevância considerando toda a rotina estressante e de caráter emocional vivenciada nos últimos anos. É notória a atração por alimentos mais palatáveis, reconfortantes, que ajudem a minimizar tensões e tragam alguma lembrança tranquilizadora. É comum que essas memórias agradáveis sejam despertadas por pratos caseiros. Por exemplo: o bolo de cenoura da vovó, o pavê de chocolate da tia, o feijão preto com o tempero da mãe, entre outros que retratam a relação afetuosa entre uma pessoa e determinada preparação culinária.
Jousianny acrescenta que o termo, além de ser associado à comida reconfortante e alimento vindo do lar, remete a pratos recém-preparados e, ainda, com temperatura elevada. Mesmo com preferências alimentares distintas nos grupos masculinos e femininos, o que se destaca é a importância da percepção desse alimento e do quão significativo ele é na construção pessoal de cada indivíduo.
Segundo Daniela, um dos ícones da exemplificação do conceito são os bolos, especialmente os de fubá e laranja. Ela comenta que muitas pessoas relatam principalmente o cheiro que sentiam na casa da avó quando chegavam para fazer o lanche da tarde. Trata-se de receitas de custo relativamente baixo, muito saborosas, fáceis de preparar e tipicamente brasileiras. “Isso transmite, essencialmente, a preocupação com a preparação prévia do alimento para receber pessoas importantes, visitas aguardadas, demonstrando o carinho e, em especial, o afeto do anfitrião para com seus convidados. Sempre que possível acompanhado de uma boa xícara de café fresquinho”.
Confira:
Para Jousianny, uma excelente forma de incluir práticas de comfort food ao cardápio é a possibilidade de preparar pães, bolos e doces caseiros. O que pode ser uma ótima maneira de acrescentar bons hábitos alimentares, ainda que, muitas vezes, em decorrência da correria do dia a dia, o fato de comprar aquele bolinho da infância na padaria mais próxima não deixa de ser uma “comida de conforto”.
Ela lembra que muitas casas comerciais apostam em uma apresentação nostálgica, ou seja, embalagens que valorizem o fato de o produto ser caseiro, com uma identidade visual que remeta o consumidor à sensação de conforto. Diante disso, pode-se concluir que uma das principais características do comfort food é que seus pratos sejam derivados da comida caseira.
“A ideia é transmitir a sensação que foi preparada por alguém especial e que, apesar de muitas vezes serem simples, são ricos em sabor, fartos e capazes de estimular as melhores sensações e memórias nas pessoas. Inclusive, muitos restaurantes, percebendo essa realidade, estão indo em direção contrária ao tradicional e nem tão saudável fast food, e oferecendo alimentos mais saudáveis e ‘reconfortantes’ que remetem a uma comida afetiva”, diz Jousianny.
Daniela concorda: “O conceito de comfort food remete exatamente às memórias afetivas que o alimento proporciona ao indivíduo por meio da percepção sensorial aguçada pelos sentidos, que podem ser olfativos, visuais, gustativos e táteis. Enfim, é muito comum que empresas e fabricantes procurem, inclusive, recriar produtos alimentícios que remetam à simplicidade e às técnicas artesanais utilizadas e que ‘transportem’ seus consumidores a vivenciar essas experiências positivas que promovem sensação de prazer”.
Ela, inclusive, acredita que seja cada vez mais promissor o mercado destinado aos alimentos artesanais, não somente do ponto de visto do preparo (menos industrializados), como também da ambientação das lojas (estilo vintage), padronização de utensílios de época, finalizando com embalagens e formatos que remetam ao alimento preparado em casa, como casas de bolos simples para café da tarde e brigaderias, por exemplo.
Mas, comfort food pode ser saudável? Daniela afirma que sim, principalmente porque a indústria da alimentação vem se aperfeiçoando ao longo do tempo, e alimentos nostálgicos ainda remetem àqueles produzidos em ambiente familiar, ou seja, com pouco ou nenhum acesso a aditivos e conservantes alimentares. “Bolos nos quais são utilizados sucos de frutas naturais (laranja, limão), geleias de frutas artesanais, chás de ervas plantadas nas hortas e quintais das casas, ervas para tempero de alimentos também plantadas na própria residência, macarronadas cuja massa era produzida e cilindrada pelas nonas italianas, pães fermentados naturalmente e assados em fornos à lenha... Enfim, muitos alimentos que fazem parte desse universo e nas mais diferentes faixas etárias”.
“Apesar do comfort food ser algo predominantemente caseiro, a depender da qualidade dos itens usados nessa preparação e da quantidade a ser consumida, esse alimento pode contribuir para aumentar a ingestão calórica. Porém, vale lembrar que um alimento isoladamente não pode ser considerado o responsável pelo aumento de peso. Logo, não podemos ficar reféns do tão comum terrorismo nutricional, bastante difundido nos dias atuais”, afirma Jousianny.
Já Daniela lembra que não existe recomendação de periodicidade para o consumo de alimentos que pertençam ao grupo comfort food, exceto pelo equilíbrio ingestão calórica/nutricional: “Isto porque devemos sempre nos orientar pelas recomendações existentes e divulgadas pelos guias alimentares, ou seja, pela diversidade na ingestão de diversos tipos de nutrientes, tais como os carboidratos, proteínas, lipídios, vitaminas, minerais e fibras, por exemplo”, finaliza.
“Por fim, gostaria de ressaltar que o conceito comfort food, apesar de ainda pouco utilizado, deveria ser mais abordado em função da necessidade de aumentar a adesão do paciente à dieta necessária, além de promover bem-estar emocional e social”, afirma Jousianny.
“Inclusive, de acordo com o pesquisador Câmara Cascudo, uma referência em cultura alimentar, o alimento funciona como um fixador psicológico no plano emocional e, desta forma, comer alguns deles é se ligar ao local ou a quem os preparou. Sendo assim, pode-se deduzir que a ideia central do comfort food se baseia em consumir uma comida para ‘alimentar a alma’”, completa.
Jousianny escolheu como exemplo de comfort food um bolo de chocolate: “Tem alimento mais reconfortante do que o bolo da vovó? Por isso, sugiro esse bolo de chocolate, cuja preparação segue abaixo":
Ingredientes:
Massa
3 copos americanos de farinha de trigo
2 copos americanos de achocolatado (que sugiro colocar cacau em pó)
1 e 1/2 xícara de açúcar (pode-se colocar o açúcar demerara)
1 copo americano de óleo
4 ovos
1 copo americano de água fervente
1 colher de sopa rasa de fermento
Cobertura
2 colheres de sopa cheias de manteiga sem sal
2 colheres de sopa de chocolate em pó (buscar colocar aquele com maior teor de cacau)
1 xícara de açúcar
6 colheres de sopa de água
Modo de preparo
Massa: preaqueça o forno a 180ºC. Misture todos os ingredientes em uma tigela, inclusive o fermento. Despeje em uma fôrma untada com manteiga e farinha de trigo. Asse por 20 a 25 minutos.
Cobertura: misture todos os ingredientes em uma panela, em fogo médio, até virar um creme. Com o bolo ainda quente, corte em quadrados e cubra com esse creme. Deixe o bolo absorver e esfriar um pouco. Sirva em seguida.
Já a professora Daniela, ensina três preparos: bolo de fubá com erva doce, pão caseiro e geleia de laranja.
Bolo de Fubá com Erva-Doce
Ingredientes:
3 ovos inteiros
1 xícara de leite
1/2 xícara de óleo
1 xícara de fubá branco
1 xícara de farinha de trigo
1 colher (sopa) de fermento químico
2 xícaras de açúcar
1 colher (chá) de erva-doce
Modo de preparo:
Bata no liquidificador os ovos, o leite e o óleo. Junte o fubá, a farinha e o açúcar. Por último, misture levemente com uma colher a erva-doce e o fermento. Coloque em uma fôrma. Leve ao forno a 160° por 30 minutos.
Pão Caseiro
Ingredientes
1 kg de farinha de trigo aproximadamente
1 e 1/2 xícara de leite morno (aprox. 400 ml)
1/2 xícara de água morna
1/2 xícara de óleo (aprox. 100 ml)
4 colheres (sopa) de açúcar (aprox. 200 g)
1 colher (sopa) de sal
2 ovos
30 g de fermento biológico fresco
Modo de preparo
Em uma tigela, dissolva o fermento fresco (ou 10 g de fermento seco) no açúcar e acrescente o sal, os ingredientes líquidos, os ovos e misture muito bem. Acrescente aos poucos a farinha até formar uma massa macia e sove bem a massa. Deixe a massa descansar por aproximadamente 1 hora. Após o crescimento, divida a massa, enrole da forma que desejar, coloque nas formas e deixe crescer até dobrar de volume. Leve para assar em forno médio (200° C), preaquecido, por aproximadamente 30 minutos. Retire o pão do forno e pincele leite para a casca ficar mais macia.
Geleia de Laranja
Ingredientes
12 laranjas
1 Kg de açúcar
1 copo de água
Modo de preparo
Tire a casca de 3 laranjas e corte em tirinhas finas. Faça o suco de 6 laranjas. Das outras 6 laranjas aproveite a polpa sem tirar o suco. Coloque as cascas da laranja em uma panela, dê uma fervura e jogue esta água fora. Depois coloque na panela as tirinhas, o suco, a polpa, o açúcar e a água e deixe ferver em fogo baixo até engrossar. A geleia estará pronta quando levantar uma espuma e ficar com brilho.
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