Um estudo feito na Austrália, cujos resultados aparecem no Journal of Affective Disorders, mostra que quem segue uma dieta rica em alimentos ultraprocessados têm maior probabilidade de sofrer de depressão até uma década depois.
Alimentos ultraprocessados são alimentos industrializados que normalmente contêm cinco ou mais ingredientes. Eles são otimizados para ter mais sabor e vida útil prolongada. Como resultado, muitas vezes contêm adoçantes, conservantes, emulsificantes, cores e sabores artificiais.
A depressão é uma das condições de saúde mental mais comuns do mundo, e o estudo sugere que mudar a dieta pode ser um caminho para evitar o transtorno, embora sejam necessárias mais pesquisas.
A Austrália é um país com uma das maiores taxas de consumo de alimentos ultraprocessados – seus residentes obtém, em média, mais de 40% de suas calorias diárias de fontes altamente processadas. Nos EUA, essa proporção passa de 50%. No Brasil, segundo os pesquisadores, esse consumo ainda está abaixo de 25%. Mas um levantamento recente mostra que existe uma tendência de aumento.
A equipe de pesquisadores, que inclui brasileiros, analisaram dados de 23.299 indivíduos de 27 a 76 anos de idade, integrantes do Melbourne Collaborative Cohort Study.
Eles desqualificaram pessoas que apresentavam sofrimento psicológico no início do estudo ou 30 dias antes, com base nos questionários respondidos. Os participantes foram acompanhados por períodos de 13 a 17 anos, momento em que sua saúde emocional foi medida usando a Escala de Estresse Psicológico Kessler, de dez itens.
Para obter uma visão mais ampla do consumo de alimentos ultraprocessados, de modo a poder avaliar os seus efeitos, os pesquisadores contaram com imigrantes do Sul da Europa. Esta é uma região em que os ultraprocessados desempenham um papel menor na dieta diária.
Os pesquisadores descobriram que os adolescentes que consumiam alimentos ultraprocessados regularmente tinham maior probabilidade de apresentar sintomas de depressão uma década depois do que os jovens que seguiam dietas mais saudáveis.
A associação entre alimentos ultraprocessados e depressão subsequente não foi afetada por sexo, idade ou índice de massa corporal. Também persistiu independentemente do estado civil, do número de pessoas com quem uma pessoa vivia e do seu nível de atividade física.
As descobertas, inéditas em uma amostra populacional australiana, associaram o alto consumo de alimentos ultraprocessados a um risco elevado de depressão, segundo os pesquisadores. E a associação foi linear: quanto maior o consumo, maior o risco de as pessoas ficarem deprimidas com o passar do tempo.
Um estudo observacional como este não pode estabelecer a causalidade com precisão. A questão que fica é se os alimentos ultraprocessados levam à depressão ou é a depressão leva as pessoas a comerem mais alimentos ultraprocessados. Mas outros trabalhos têm gerado resultados semelhantes.
A hipótese é que esse tipo de alimentação carece de nutrientes, importantes como proteínas e fibras, ao mesmo tempo que contêm quantidades excessivas de carboidratos, gordura saturada e energia. Esses fatores têm sido associados a problemas intestinais e inflamação, que estão ligados à depressão.
Estudos indicam que aditivos e compostos formados durante o processamento intenso de alimentos ou encontrados em embalagens também podem influenciar o bem-estar mental através de sua influência no intestino e no sistema imunológico.
Embora ninguém possa voltar atrás e mudar seus hábitos alimentares passados, pode ser que a interrupção do consumo de alimentos ultraprocessados no presente possa beneficiar a saúde mental no futuro.
Um ensaio clínico recente, que também contou com pesquisadores brasileiros, examinou o efeito das mudanças na dieta sobre os sintomas depressivos em indivíduos com depressão. E os resultados, publicados recentemente em preprint e atualmente sob revisão por pares, são extremamente promissores.
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin