Um grande estudo demonstra que as pessoas tendem se sentir melhor pela manhã, em relação à saúde mental e o bem-estar, do que à noite. Além disso, há variações nos dias da semana e ao longo do ano.
O trabalho, liderado por pesquisadores da University College London (UCL), no Reino Unido, sugere que as pessoas têm uma piora no seu estado de espírito por volta da meia-noite. Os resultados foram publicados na revista de acesso aberto BMJ Mental Health.
Segundo os pesquisadores, poucos estudos já se debruçaram sobre como a saúde mental e o bem-estar podem mudar ao longo do dia. Os poucos que existem tendem a usar amostras pequenas e seletivas.
Por isso, a equipe quis explorar se o horário do dia estava associado a variações na saúde mental (sintomas de depressão e/ou ansiedade), felicidade (bem-estar “hedônico”), satisfação com a vida, sensação de que a vida vale a pena (bem-estar “eudaimônico”) e solidão (bem-estar social). Eles também queriam descobrir se essas associações variavam conforme o dia da semana, estação do ano e ano de pesquisa.
Veja o que diz a autora principal, Feifei Bu, do Departamento de Ciência Comportamental e Saúde da UCL:
Nossos resultados sugerem que, em média, a saúde mental e o bem-estar das pessoas são melhores pela manhã e piores à meia-noite. Utilizamos uma grande amostra de dados repetidos – quase 1 milhão de respostas de pesquisa de 49 mil participantes ao longo de dois anos."
A pesquisadora esclarece que esse padrão pode refletir quando as pessoas escolhem responder à pesquisa. “Por exemplo, aqueles que já se sentem melhor pela manhã podem ser mais propensos a participar da pesquisa nesse horário", afirma. Assim, é importante que os resultados sejam replicados em outros estudos que levem em conta esse possível viés. Se eles forem validados, as implicações práticas podem ser importantes.
Pesquisadores que investigam a saúde mental e o bem-estar das pessoas, por exemplo, deverão levar em conta o horário em que elas respondem aos questionários. Serviços de apoio à saúde mental também podem considerar ajustar seus recursos para atender às necessidades que flutuam ao longo do dia – por exemplo, priorizando a disponibilidade noturna."
A equipe analisou dados longitudinais do UCL Covid-19 Social Study, que começou em março de 2020 e envolveu monitoramento regular até novembro de 2021, com monitoramento adicional até março de 2022. Todos os aspectos da saúde mental e do bem-estar foram medidos por meio de questionários online, com ferramentas de avaliação validadas ou através de perguntas diretas: "Na última semana, quão feliz você se sentiu; quão satisfeito você esteve com sua vida; em que medida você sentiu que as coisas que está fazendo na sua vida valem a pena?"
Os registros de horário na conclusão de cada pesquisa forneceram informações sobre o horário do dia (das 6h à meia-noite); dia da semana; estação do ano; e ano (2020, 2021, 2022). Informações sobre outros fatores potencialmente influentes incluíram idade, gênero, etnia, nível educacional, status de emprego, área de residência (rural, urbana) e condições de saúde física e mental diagnosticadas.
Informações completas estavam disponíveis para 49.218 pessoas, das quais três quartos (76,5%) eram mulheres. Pessoas com nível superior ou acima disso estavam super-representadas (68%), enquanto pessoas de minorias étnicas estavam sub-representadas (6%). A amostra, portanto, foi ponderada para refletir as proporções da população.
A análise dos dados revelou um padrão claro ao longo do dia na autopercepção da saúde mental e do bem-estar, com as pessoas geralmente se sentindo melhor pela manhã – com menos sintomas de depressão/ansiedade e solidão, e maiores índices de felicidade, satisfação com a vida e sensação de que a vida vale a pena – e pior por volta da meia-noite.
A influência do dia da semana foi menos clara, de acordo com os resultados, com mais variação na saúde mental e no bem-estar durante os fins de semana do que nos dias úteis.
Felicidade, satisfação com a vida e sensação de que a vida vale a pena foram ligeiramente maiores às segundas e sextas-feiras do que aos domingos, e a felicidade também foi maior às terças-feiras. Mas não houve evidências de que a solidão variava conforme o dia da semana.
Os resultados coincidem com a percepção de alguns especialistas, como a psicóloga Tatiane Mosso, que fala da existência da "síndrome do domingo à noite", uma sensação incômoda de tristeza, ansiedade e angústia que está associada à transição do estado de relaxamento para a carga de tarefas que vêm pela frente. "O domingo à noite pode despertar um sentimento de frustração por não ter aproveitado o fim de semana ou por lembrar das responsabilidades que aguardam na segunda-feira", explica.
Isso é ainda mais acentuado, claro, para quem está insatisfeito com a rotina ou o trabalho. A recomendação da profissional, além de pensar em mudanças necessárias, é marcar alguma atividade prazerosa para o início da semana, como um encontro com os amigos. E se a tristeza estiver atrapalhando a qualidade de vida, talvez seja o caso de pensar numa terapia.
O estudo trouxe evidências claras de influência sazonal no humor. Em comparação com o Inverno, as pessoas tendiam a apresentar níveis mais baixos de sintomas de depressão e ansiedade e solidão, e níveis mais altos de felicidade, satisfação com a vida e sensação de que a vida vale a pena nas outras estações.
Essa tendência a pioras no humor durante os meses mais frios é algo que já foi constatado em vários estudos, principalmente nos países com inverno mais intenso e menos horas de exposição à luz solar. De acordo com o estudo, saúde mental das pessoas esteve melhor no Verão, em todos os aspectos. No entanto, a estação do ano não afetou as associações com o horário do dia.
A saúde mental e o bem-estar também melhoraram gradualmente de 2020, o primeiro ano da pandemia de Covid-19, até 2022, algo que também não é surpreendente.
Essas mudanças na saúde mental e no bem-estar ao longo do dia podem ser explicadas pelas mudanças fisiológicas associadas ao relógio biológico.
Os pesquisadores explicam que o cortisol atinge o pico logo após o despertar e atinge seus níveis mais baixos na hora de dormir, o que talvez possa interferir no estado de espírito das pessoas. No entanto, é importante reconhecer as diferenças entre fins de semana e dias úteis.
"Dado que há poucas evidências de que processos fisiológicos diferem entre os dias da semana, as diferenças podem estar relacionadas a outros fatores que influenciam as mudanças na saúde mental e no bem-estar ao longo do dia. Isso pode incluir fatores contextuais e a sequência das atividades diárias, que provavelmente são diferentes entre fins de semana e dias úteis."
Tatiana Pronin
Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY. Twitter: @tatianapronin